quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Harmonia familiar - o amor pode dar certo (III)

Não podemos negar que à medida que nos tornamos adultos, os laços que nos ligam a família original diminuem de intensidade para que criemos outros laços na formação da nova família, cônjuge e filhos. Mas isso não significa que os vínculos possam ser rompidos ou que as informações não continuem sendo repassadas de geração a geração. É nesse campo que atuam ordens que objetivam o aprendizado e a evolução da espécie, e a sua descoberta, através da observação, permitiu a Hellinger o desenvolvimento de um sistema psicoterápico que se propõe a desfazer esses emaranhamentos familiares, trazendo harmonia aos membros da família e, conseqüentemente, à sociedade. Segundo ele, preexistem “ordens “ que devem organizar o sistema familiar:

Leis, princípios ou ordenações básicas preestabelecidas, que devem presidir nossos comportamentos. Assim, as ordens do vínculo são as leis básicas que devem comandar nossos relacionamentos para que o amor seja bem sucedido, e o seu desconhecimento ou desrespeito pode ocasionar conseqüências funestas.

Aqui podemos traduzir esse vínculo grupal através do conceito de campos mórficos, que teriam como objetivo a formatação da espécie, através da busca do prazer e evitação da dor, ao nível de cada constelação familiar.

O desrespeito a essas ordens é a causa dos desajustes e emaranhamentos em cada família.

A primeira ordem é a ordem da ajuda:

Consiste em dar apenas o que temos, e esperar ou tomar somente aquilo de que necessitamos. A primeira desordem da ajuda começa quando uma pessoa quer dar o que não tem, e a outra quer tomar algo de que não precisa; ou quando uma espera e exige da outra o que ela não pode dar, porque não o tem. Há desordem também quando uma pessoa não tem o direito de dar algo, porque com isso tiraria da outra pessoa algo que somente ela pode ou deve carregar, ou que somente ela tem a capacidade ou o direito de fazer.

Em todas as relações deve haver um equilíbrio entre o dar e o receber, que devem acontecer em proporções equivalentes.

A exceção é feita na relação entre pais e filhos, pois os filhos sempre recebem mais dos pais e, para manter o equilíbrio, devem fazer o mesmo quando se tornarem pais.

Isso funciona para as questões materiais/financeiras e para as emocionais também. Um exemplo das trocas emocionais entre o casal é que, sendo um dos parceiros desrespeitado, este deve ser recompensado, mesmo que a recompensa não possua a mesma intensidade da falta. Isto pode ser dito de outra maneira: quem comete uma falta precisa assumir a responsabilidade de pagar por ela para que um membro inocente da família não assuma as conseqüências. E quem deve cobrá-la é o prejudicado.

Uma segunda ordem é a ordem de aceitação do passado:

Se você amar alguém depois, não poderá agir como se não tivesse vivido outro amor antes. Se aceitar o que viveu, com respeito aos antigos parceiros, as próximas relações poderão ser mais enriquecedoras do que se você for vivê-las como se fosse a primeira.

É imprescindível reconhecer a aceitação do afeto experimentado em relações anteriores: um novo amor só poderá ser bem sucedido se houver o reconhecimento de tudo que nos foi dado pelos demais relacionamentos. A rejeição consciente ou inconsciente de amores passados bloqueia a força de um novo amor.

Assim, é correto afirmar que as novas relações têm prioridade sobre as relações anteriores do casal. Mas, por piores que tenham sido estas últimas, deve-se aceitá-las e respeitá-las porque ao haver contato sexual estabelece-se um vínculo definitivo e tanto mais forte será se existirem filhos dessa relação.

Os desajustes dessa ordem podem ser danosos para o casal ou mesmo para os filhos, que num sistema de identificação com o parceiro rejeitado, muitas vezes tornam-se o problema da família.

A terceira ordem que podemos abordar é a ordem da individualidade:

O respeito pelo espaço de cada um é fundamental para o sucesso do relacionamento. Para amar é preciso aceitar duas solidões, a sua própria e a do outro. Numa relação deve haver respeito por segredos. Só assim ela terá uma chance. É ridículo querer que se conte tudo ao outro. Se houver respeito pelos segredos dos outros as pessoas acabarão revelando espontaneamente coisas importantes. Não se pode agir como intruso da alma de outra pessoa, mesmo que o relacionamento seja duradouro.

O desajuste dessa ordem interfere naquele instinto que trata de que cada um de nós precisa existir como ser individual, o de autopreservação. Isso acarreta a perda do “si mesmo” na relação e gera uma fusão emocional que leva a pessoa a perder seus objetivos de vida ou mesmo de sua identidade nos casos mais graves, tornando a relação insatisfatória para os dois parceiros.

Uma quarta ordem seria a ordem dos laços de família:

Os primeiros laços de amor são atados na família e todos os familiares estão ligados por uma grande alma comum. Essa consciência coletiva comum é transmitida por sucessivas gerações (campos mórficos), em uma corrente de influências, incluindo experiências dolorosas vividas pelo grupo. Os pais são a fonte de cada pessoa. Quem está separado afetivamente de seus pais está separado de sua fonte.

Por mais dolorosas que tenha sido a experiência com os pais, aqueles são os pais perfeitos, nem melhores nem piores que os outros. Eles dão aos filhos o presente mais importante, que é a vida. Poder aceitá-los e honrá-los como são, recebendo o que de bom eles puderam dar e não os criticando pelas faltas, religa a pessoa à sua fonte (origem) e a permite desfrutar de uma sensação quente de pertencimento e amorosidade.

Essas primeiras ordens são as que tratam mais amplamente dos relacionamentos nas constelações familiares.

Paralelamente a essas ordens existem outras que dizem respeito à hierarquia familiar e que precisam ser observadas.

No tocante à hierarquia, o grau de importância varia de acordo com a entrada da pessoa no sistema, assim, os pais têm prioridade sobre os filhos, o filho mais velho tem prioridade sobre o que vem após e assim sucessivamente. Nas relações matrimoniais, a ordem é inversa: quando os filhos casam essa nova relação passa a ter prioridade sobre as relações com a família original. Se o casamento se desfaz, e acontece outra relação, o novo parceiro passa a ter prioridade sobre o antigo, mas se existem filhos da primeira relação esses têm prioridade sobre o novo parceiro e seus meio irmãos, caso houver.

Os primeiros vínculos são sempre mais fortes do que os que vêm depois. Popularmente, se diz que é muito mais fácil separar-se na segunda ou terceira relação que da primeira, ou seja, os vínculos vão perdendo força, embora o amor possa ser maior. Aqui não devemos confundir vínculo com amor. Considero que o vínculo seja o ambiente que permite a instalação do amor.

Num sistema familiar cada um tem seu papel e precisa assumi-lo. O homem é o provedor, responsável pela criação de um ambiente seguro para a mulher e os filhos. O masculino deve estar a serviço do feminino.

A mulher é responsável pelo bem estar da família, desenvolvimento dos filhos e apoio para o homem. O feminino complementa o masculino.

Muito se poderia dizer ainda sobre as possibilidades para harmonização dos sistemas familiares, mas deixemos para outros trabalhos. Muito também ainda se tem a descobrir nesse campo que parece extenso e estamos, ainda, apenas tateando.

Foram esboçadas algumas possibilidades para que a família dê certo. É claro que para isso precisamos nos desapegar de crenças e valores que pertencem ao passado, mesmo que se apresentem com roupagens novas, adotar humildemente diferentes ações em nosso repertório comportamental e, muitas vezes, até buscar ajuda técnica de um profissional especializado que possa nos facilitar a entrada nesse caminho. Porém, compreender o como fazemos parte de um sistema maior, que exige ações que priorizem o bem comum para a evolução de nossa espécie, é algo que nos dá uma sensação quente de esperança e alegria.

Gostaria de finalizar o artigo com uma frase de Hellinger que diz:

“Cultivar reconhecimento e gratidão – a pais, antepassados e parceiros anteriores – é fundamental para que o amor do presente dê certo”.

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